terça-feira, 7 de dezembro de 2010

AGONIA E ÊXTASE

FOTO: RICARDO SILVA
Acordei, estava atordoado, não conseguia lembrar onde estava, precisei de um pouco de tempo pra me recompor. A vista ainda estava turva, o pescoço dolorido e a boca seca, reflexo de doze horas no limbo. Precisava sair, respirar, andar um pouco até a hora de travar de novo. Sabia que logo precisaria de uma nova dose, não aguentava tanto tempo sóbrio, o mundo já não era mais suportável, tinha que chegar em casa e me preparar pra encarar os paraísos artificiais. Segui pela principal, percebi que não estava tão longe de casa, passei pela praça central, corri até as escadas, desci, dobrei na rua seguinte e avistei o prédio onde morava. O coração palpitava de tensão e êxtase, pois sabia que logo ali eu encontraria a felicidade, a verdadeira felicidade, não tardei pra chegar. Já escurecia, peguei as chaves com as mãos trêmulas, não falei com ninguém, subi as escadas correndo, o apartamento ficava no terceiro andar. Corri, cheguei ofegante. Abri a porta, tudo estava uma bagunça e o fedor de comida podre empestava o lugar e logo minhas narinas, não tinha mais tempo pra perder com coisas fúteis, não via uma mulher há tempos, não precisava mais delas. A comida já não tinha tanto sabor, emagrecia, sabia que não duraria tanto tempo, mas valia a pena, entrei no quarto, o colchão no chão, a cama estava quebrada e não me preocupava com isso, havia roupas sujas espalhadas pelos cantos. Procurei às pressas feito um louco. Encontrei, corri pra cozinha, peguei a colher, pus o pó, acendi o fogo, esquentei; a substância borbulhava, estava no ponto, peguei a seringa. Puxei tudo que podia, amarrei o cinto no braço, estava difícil encontrar um lugar não furado, baixei a calça, essa seria na coxa, injetei, puxei um pouco de sangue pra misturar, deslizei o êmbolo até o fim. A sensação era das melhores, alguns segundos até o infinito, derreti até o chão. A vista turva, a taquicardia, milhões de pensamentos ao mesmo tempo, voavam como nuvens, tudo colorido, perfeito, logo alcançara o paraíso, podia sentir o som das coisas ao meu redor. Podia ser o que quisesse, mas preferia ser guiado e levado aonde quisessem me levar. Logo acabaria com a sobriedade infernal dessa vida de uma vez por todas.

H. ALMEIDA

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