terça-feira, 19 de novembro de 2013

Velho Safado



"nós fomos à oficina na noite passada?"
"ah é?"
"é."
"o que que as pessoas fizeram?"
"elas falaram. todas as pessoas falaram e falaram.
e falaram."
"e o que é que você fez?"
"eu fui dormir."

sábado, 12 de outubro de 2013

O senhor da guerra não gosta de crianças (?)

Wounded Baby, Aleppo - Tomada



                                Foto: Sebastiano Tomada

Uma criança ferida à espera de tratamento em um dos últimos hospitais que permaneceram em pé em Aleppo (Síria), após combates entre governistas e supostos "rebeldes".

"Não existem anjos em trincheiras"
C. Bukowski

FELIZ DIAS DAS CRIANÇAS!




sábado, 5 de outubro de 2013

Noite Feliz

À noite parece que toda paciência, ou espírito cai fora de nosso alcance.

Não há mais o que fazer: o corpo extenuado arrasta o cérebro para um abscesso de lama e merda; a vala do inferno.

O dia com seus longos e estéreis compromissos já não lhe incomodam. Pelo menos pelas próximas dez ou doze horas. Agora é o momento do êxtase, da redenção, o gozo precoce gerador de uma felicidade natimorta.

É à noite que as ilusões se juntam aos fantasmas para fazerem do seu cérebro ou coração um parque de diversões duvidosas, cujas maiores atrações são revestidas de sadismo e horror.

É a fração de liberdade de um moribundo; a glória semi-sentimental de um pedaço de carne robotizado, lobotomizado e por fim, mas não menos importante, castrado.

Enfim, demos um viva às noites. E a todos os seus jogos e armadilhas. E que nossas mentes apodrecidas consigam suportá-las, aos pedaços, mas com um mínimo de decência e dignidade. Seja lá o que isso signifique.


segunda-feira, 23 de setembro de 2013

In-Van


Em minhas viagens
Superlotadas de poesias e desgraças
Dentro de uma van malacabada
Foi Ivan Marinho quem me abriu os olhos:
“Não preciso de tempo
Para ser livre
Preciso é de coragem
Para ser livre o tempo todo”.

Alexandre Cavalcante

A poesia é o tempo todo
Erickson Luna


quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Cruz

   E então, sem um motivo aparente que servisse para explicar seu novo hábito, Souza chegou em casa no seu horário de costume, trazendo consigo o pão comprado naquela padaria de esquina, que é mais caro, mas que vale a pena, pois hoje em dia é difícil encontrar um bom pão francês, daqueles que além da casca têm algo de miolo. Junto do pacote dos pães e do queijo coalho veio uma nova aquisição. Algo simples, mas o suficiente para deixar sua esposa em polvorosa: depois de anos de casado e de promessas feitas, e cumpridas a duras penas, Souza resolveu chegar em casa com uma caixinha vermelha, com vinte cigarros em seu interior. Uma daquelas que tem o nome semelhante ao seu. A princípio, a mulher não compreendeu, mas após uma pausa não apenas continou sem compreender, como iniciou intensos ataques a seu senso de responsabilidade, a sua falta de domínio sobre impulsos adolescentes e estúpidos e, enfim, ao que restava de sua moral. Enquanto ouvia o matraquear da esposa, Souza abriu a carteira e com o isqueiro, também recém-comprado, acendeu o primeiro cigarro em anos. A primeira tragada lhe deixou a sensação de um contato mais íntimo com a morte e, a bem da verdade, ela não lhe pareceu assim tão ruim. A cada vez que inalava e expelia aquela fumaça, com mais de 4.700 substâncias tóxicas, se sentia mais puro, como se todo o sentimento de frustração e raiva que lhe atormentara durante todos os dias daquela semana estivessem indo embora junto com as cinzas que se acumulavam num copo improvisado como cinzeiro. Finalmente concluiu, ou pensou que o tinha, que a vida não passava de um amontoado de pedaços disformes colados à força uns aos outros e, apesar de ter aprendido na TV que o cigarro faria mal a sua saúde, acendeu mais outro e tragou com ainda mais prazer. Desta vez, inalou com a plena consciência de que a morte o esperava com uma certa ansiedade e por mais que no fundo sentisse algum receio, percebeu que a recíproca, nesse caso, era mais do que verdadeira.

sábado, 10 de agosto de 2013

Charles Baudelaire

O Jogador Generoso

   
   Ontem, no meio da multidão do bulevar, senti-me roçado por um Ser misterioso que sempre quis conhecer e a quem reconheci imediatamente, embora jamais o tivesse visto. Havia, sem dúvida, nele, em relação a mim, um desejo análogo, pois ele me deu uma piscada dc olho significativa à qual apressei-me em obedecer. Segui-o atentamente e logo desci atrás dele para uma moradia subterrânea deslumbrante onde brilhava um tal luxo que nenhuma habitação acima em Paris poderia oferecer um exemplo aproximado. Pareceu-me singular que eu já tivesse passado tantas vezes ao lado desse prestigioso esconderijo sem adivinhar a entrada. Reinava ali uma atmosfera delicada, conquanto perturbadora que fazia esquecer quase instantaneamente todos os horrores aborrecidos da vida; respirava-se ali uma sombria beatitude, análoga à que deveriam sentir os comedores de l6tus, quando desembarcando em uma ilha encantada, iluminada por clarões de uma eterna tarde, sentiam nascer neles, aos sons adormecedores de melodiosas cascatas, o desejo de nunca mais rever seus lares, suas esposas, seus filhos, e de nunca mais voltar a subir sobre as altas ondas do mar.
   Havia lá estranhas faces de homens e mulheres marcadas por uma beleza fatal que me parecia ter visto em épocas e em países de que me era impossível lembrar exatamente, e que me inspiravam mais uma fraterna simpatia cio que esse natural medo que nasce ordinariamente do aspecto do desconhecido. Se eu quisesse tentar definir de qualquer maneira a expressão singular de seus olhares, diria que jamais vi olhos brilhando mais energicamente do horror cio tédio e do desejo imortal de se sentir viver.
Meu anfitrião e eu já estávamos, ao nos sentarmos, sentindo -nos velhos e perfeitos amigos. Comemos, bebemos exageradamente todas as espécies de vinhos extraordinários e, coisa não menos extraordinária, pareceu—me, depois de várias horas, que eu não estava mais bêbado do que ele. Entretanto, o jogo, este prazer sobre-humano, havia cortado em diversos intervalos nossas freqüentes libações, e devo dizer que eu havia jogado e perdido minha alma, em parte ligada à despreocupação e à falta de seriedade heróicas. A alma é uma coisa tão impalpável, freqüentemente tão inútil e às vezes incômoda que eu não experimentei, quanto a esta perda, senão um pouco menos de emoção do que sentiria caso tivesse perdido meu cartão de visitas num passeio.
   Fumamos demoradamente alguns charutos cujo sabor e perfume incomparáveis davam à alma a nostalgia de países e felicidades desconhecidas e, inebriado por todas essas delícias, ousei, num acesso de familiaridade que não me pareceu desgostá-lo, gritar, apossando-me de uma taça cheia até a borda: “À vossa imortal saúde, velho Bode!”
   Conversamos, também, sobre o universo, sua criação e sua futura destruição; sobre a grande idéia do século, isto é, do progresso e da sua perfectibilidade e, em geral. de todas as formas de presunção humanas. Sobre esse assunto, Sua Alteza não se calava, dizendo gracejos leves e irrefutáveis, exprimindo-se com uma suavidade de dicção e uma tranqüilidade no gracejo que eu não encontrara em nenhum dos mais célebres conversadores da humanidade. Ele explicou-me o absurdo das diferentes filosofias que tinham, até o presentes se apossado do cérebro humano e dignou-se mesmo a me confidenciar alguns princípios fundamentais cujo benefício e propriedade não me convém compartilhar com ninguém. Não se queixou de modo algum da má reputação de que gozava em todas as partes do mundo, assegurando-me que era, ele próprio a pessoa mais interessada na destruição da superstição, e me confessou que nunca sentira medo relativamente ao próprio poder senão uma única vez. Foi no dia em que ouviu um pregador, mais sutil que os confrades, gritar do púlpito: “Meus caros irmãos, não esqueçais nunca, quando escutais glorificar o progresso das luzes, que a mais bela das artimanhas do diabo é de vos persuadir que ele não existe,”
   A lembrança deste célebre orador nos conduziu naturalmente ao assunto das academias, e meu estranho conviva afirmou-me que ele não desdenhava, em muitos casos, inspirar a penas a palavra e a consciência aos pedagogos e que assistia, quase sempre em pessoa’ embora invisível, a todas as sessões acadêmicas.
Encorajado por tantas atenções pedi-lhe notícias de Deus e se o havia visto ultimamente. Ele me respondeu com um misto de despreocupação e uma certa tristeza: “Nós nos cumprimentamos, quando nos encontramos mas como dois velhos cavalheiros, nos quais uma polidez inata não poderia extinguir completamente a lembrança de antigos rancores.”
   É duvidoso que Sua Alteza tenha jamais dado uma audiência tão grande a um simples mortal e eu temia estar abusando. Enfim, quando a aurora estremecedora já embranquecia as vidraças, este célebre personagem, cantado por tantos poetas e servido por tantos filósofos que trabalham para a sua glória, sem o saber, me disse: ‘Quero que você guarde de mim uma boa lembrança, e desejo provar-lhe que eu, de quem falam tanto mal, sou às vezes bom diabo, para me servir de uma de vossas expressões vulgares. Para compensar a perda irremediável que você teve de sua alma, eu lhe propicio a aposta que você teria ganho se a sorte estivesse do seu lado, isto é, a possibilidade de se reconfortar e de vencer durante toda a sua vida essa bizarra sensação de tédio que é a fonte de todas as suas doenças e de todos os seus miseráveis progressos. Jamais haverá um desejo imaginado por você que eu não o ajude a realizar; você reinará sobre seus vulgares semelhantes, você será abarrotado de adulações e até de adorações; a prata, o ouro, o diamante, os palácios feéricos, virão procurá-lo e rogar-lhe aceitá-los sem que você tenha feito qualquer esforço para obtê-los; você mudará de pátria e de região tantas vezes quantas suas fantasias lhe ordenarem; você se embriagará de volúpia, sem lassidão, em países charmosos onde sempre fará calor e as mulheres são tão perfumadas quanto as flores — a cetera, et cetera..., acrescentou ele levantando-se e despedindo-se de mim com um bom sorriso.
   Se não fosse o medo de me humilhar diante de tamanha assembléia, eu teria, voluntariamente, caído aos pés desse jogador generoso para agradecer sua espantosa magnanimidade. Mas pouco a pouco, depois que o deixei, a incurável desconfiança entrou em meu peito; eu não ousava mais acreditar em tão prodigiosa felicidade, e, ao deitar-me, fazendo minha prece num resto de hábito imbecil, repeti em semi-sonolência: “Deus meu! Senhor meu Deus, faça com que o diabo mantenha sua palavra!”

terça-feira, 23 de julho de 2013

Jorge Cooper

Poema trigésimo-quarto


A solidão em que a morte
deixa o morto
É maior que a solidão da lua
Minha solidão soma 
a solidão do morto
e a solidão da lua
- Sou mais só
que um louco.


quarta-feira, 26 de junho de 2013

Uma vez compreendida a coisa, sejamos simples nas palavras.




O papel está em branco aguardando avidamente suas impressões,
 não são necessários rebuscamentos para expressar o que é simples,
 basta está encharcado com sangue.
 A carne é a fonte de todos os pensamentos dignos de manchar o papel,
o resto é falácia romântica,
belas palavras servem apenas para fascinar corações transbordantes de idealizações.
 O poeta tem sua gênese quando surge entre os escombros, que outrora foi o edifício de sua vida.
  E no seu desenvolvimento a mesma dor que dilacera seu peito lhe inspira a imprimir o inefável.

 Adelfo

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Um buraco de bala.


Um brinde!



  1.          
      A todos aqueles que não têm nenhuma classe
      aos que já não se importam mais com os rótulos
      nem com categorias ou qualquer outra forma de
      enquadrar
      classificar
      castrar
      limitar.
      A todos aqueles que se deixaram infectar pela dúvida a ponto de não crer mais em nada
      aqueles cuja única convicção é a morte.
      Um brinde!

 Adelfo

quarta-feira, 19 de junho de 2013

MERDA


PEIDO NO VENTO
PEIDO AO RELENTO
PEIDO REBENTO
INTESTINO VIOLENTO
###
PEIDO  CHUVISCO
PEIDO  MOLHADO
PEIDO  BORRADO
TODO  CAGADO
 ###
MERDA DE VIDA
VIDA DE MERDA
LEVANTO A CABEÇA
ACABOU O PAPEL



CU DE SAPO


domingo, 9 de junho de 2013

Dissecando o nada

O escrutínio do tédio apresenta a morte como solução.
As horas e os dias e as semanas passaram rápido demais
para que se tivesse uma chance.
Só restos antecipados de uma eternidade crua e débil.

Alguma coisa ao redor até poderia fazer sentido
mas todos os livros, discos e demais objetos de fingida sabedoria
                                                                      [de nada adiantam.
Não me mostram o tal horizonte, não me dizem o que fazer, não
                                                                [me salvam da loucura.

Apenas o tempo comanda o inferno.
Tortura, castra e mata a quem tenta abrir os olhos
Conduz sem trégua para o maior momento da vida
Quando toda a inutilidade e estupidez vêm à tona:

O fim.

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Sem classe

 
 
Cala a boca, você fala alto demais
Você não combina com a multidão
Eu não posso acreditar que você existe
Eu risquei você da minha lista
Muito, muito em breve você estará fora de sintonia
Sem Classe

Fora, você está um tanto fora de linha
Não, parceiro eu não consigo economizar um tostão
Desapareça baby, isso mesmo
Não ladra nem morda
Seu sorriso perfeito trai sua falta de estilo
Sem Classe

Tarde demais, você não consegue alcançar agora
Você encara o caminho errado de qualquer jeito
Eu te conheço, você não tem cérebro
Para entrar e sair da chuva
É uma pena, nenhuma mágica eu tenho medo, você é realmente trágica
Sem Classe

domingo, 2 de junho de 2013

O absoluto é obsoleto

Morte a todos os deuses e ídolos e tudo que a eles se assemelhe, que de seus altares de louvação não sobre nem as cinzas e toda ostentação seja inutilizada pelo mais libertário desdém. Chega de reverenciar e de contemplar tudo aquilo que está além de minhas forças, além de mim mesmo.
Nunca precisei de bússola para me mostrar o norte, meus passos sempre andaram por vias tortuosas, são trôpegos e indisciplinados, desprovidos de qualquer obstinação jamais iriam querer modelos norteadores para lhes conduzir a lugar nenhum.
Antes caminhar errante pela estrada do nada com minhas próprias pernas, que carregar a convicção de uma verdade apoiado em muletas alheias. Não se curvar diante do que está consagrado é o estopim da revolução, o começo de uma nova era.

Construo meu caminho com as pedras que vou encontrando pela frente, faço minha revolução na não conivência e na dissidência introspectiva. É inútil almejar o impossível, é por perseguir aquilo que está demasiadamente distante que o que pode ser mudado permanece inalterado.

Adelfo

sábado, 18 de maio de 2013

Titanomaquia (1993)

Felizes são os peixes 




Tanto faz

É igual

Felizes são os peixes

Felizes são os peixes

Tanto faz, é igual

Tanto faz, é igual

Felizes são os peixes

Felizes são os peixes

Nada, nada, nada, nada


Paulo Leminski


É tudo o que sinto




Inverno

É tudo o que sinto

Viver

É sucinto


quarta-feira, 1 de maio de 2013

De média classe



Estacionado em vaga fixa

Multado pela tentativa de pensar demais

Rebocado e preso até segunda ordem



No avesso de um hotel de luxo

o retrato de um momento necessário e industrial

No fim do mês a certeza da média classe representada

pelo conforto fabril e a segurança hospitalar



Receitas simples para se alcançar a mediocridade

Caminho da felicidade para um cidadão de bem

satisfeito com sua terra e obediente aos seus princípios



Amém

Feliz Dia do Trabalho

Aldous Huxley - Contraponto 




   Os homens vivem como idiotas, como máquinas, todo o tempo, tanto nas horas de trabalho como nas horas de folga. Como idiotas e como máquinas, mas imaginando que vivem como seres humanos civilizados, mesmo como deuses. O primeiro passo a dar é fazê-los reconhecer que eles são idiotas e máquinas durante as horas de trabalho. ‘Sendo a nossa civilização o que é’, eis o que será preciso dizer-lhes ‘vocês devem passar oito das 24 horas como uma espécie de intermediário entre um imbecil e uma maquina de coser. É muito desagradável, eu sei. É humilhante, é repugnante. Mas aí está... Vocês tem de fazer isso; de outra maneira. Toda a estrutura do mundo se fará em pedaços e nós morreremos de fome. Eis por que é preciso que vocês façam esse trabalho bestamente e mecanicamente; e que passem as horas de lazer como homens ou como mulheres verdadeiros e completos. Não misturem as duas vidas; mantenham os compartimentos bem estanques entre elas. O que importa acima de tudo é a vida autenticamente humana das horas de folga. O resto não passa de uma necessidade sórdida que é preciso satisfazer. E não esqueçam nunca que é efetivamente sórdida e – a não ser por permitir que vocês se alimentem e conservem intacta a sociedade – absolutamente sem importância, sem a menor relação com a verdadeira vida humana. Não se deixem enganar pelos patifes cheios de unção que falam da santidade do trabalho e do serviço cristão que os homens de negocio prestam aos seus semelhantes. Tudo isso são mentiras. O trabalho de vocês não passa duma tarefa repugnante e desagradável, mas que infelizmente é necessária por causa da loucura de nossos antepassados. Eles acumularam uma montanha de lixo, e é preciso que vocês fiquem a trabalhar dia e noite com suas pás procurando remover o monturo, de medo que o fedor dele os envenene e mate; é preciso que vocês trabalhem para respirar, maldizendo a memória daqueles insensatos que lhes deixaram todo esse trabalho ignóbil por fazer. Mas não procurem entregar-se-lhe de coração, fingindo que esse sujo trabalho mecânico é uma necessidade nobre. Não é verdade; e o único resultados que vocês obterão dizendo isso e crendo nisso será a abaixar a nossa humanidade ao nível dessa necessidade infecta. Se vocês acreditam nos negócios, como no serviço e na santidade do trabalho, vocês se transformarão simplesmente em idiotas mecanizados durante 24 horas, das 24 que tem um dia. Reconheçam que é um trabalho infecto, tapem o nariz, dediquem-se a ele durante oito horas e depois concentrem-se em si mesmos para ser, nas horas de folga, entes humanos verdadeiros. Seres humanos verdadeiros e completos. Não leitores de jornais, nem amadores de jazz, nem maníacos da radiofonia. Os industriais que fornecem às massas divertimentos padronizados e fabricados em série fazem o possível para torná-los, nas horas de lazer, os mesmos imbecis mecânicos que vocês são durante as horas de trabalho. Mas não permitam isso. É preciso fazerem um esforço necessários para serem humanos.’ Aqui está o que se deve dizer às gentes; eis a lição que devemos ensinar aos moços. É necessário convencer toda a gente de que toda essa magnífica civilização industrial não passa dum mau cheiro, e de que a vida verdadeira, a que significa alguma coisa, não pode ser vivida senão fora dela. Será preciso muito, muito tempo para que uma vida decente e o cheiro industrial se possam conciliar. Talvez sejam mesmo inconciliáveis. É o que ainda está para se ver... Seja como for, por hora é necessário atacar as imundícias de rijo, suportar o cheiro estoicamente, e, nos intervalos, tratar de levar uma vida verdadeiramente humana.
Aldous Huxley – Contraponto (1928) 


sábado, 13 de abril de 2013

Marcha

Mais um dia que já começa com aquela sensação constante de esgotamento físico e mental. O relógio da mesa de cabeceira avisa que é hora de acordar e encarar o matadouro. A rotina da morte diária será repetida em mais um longo e interminável dia. O jeito é levantar, tomar um banho e uma xícara de café ralo e rápido para não perder o coletivo que, invariavelmente, está tão cheio que as pessoas mais se parecem com sardinhas enfiadas dentro de uma lata. Homens e mulheres - ou o que restou deles - que mal acordaram de uma noite, também, mal dormida e já se acotovelam em busca de algo parecido com uma chance. Que saem de suas casas com o estômago e o cérebro quase vazios, mas com o firme propósito de conquistar seu pedaço de dignidade enquanto, na verdade, contribuem para o crescimento dos patrocinadores de sua fome e miséria. É a honrosa hora de ir para o trabalho. Todos seguem contentes, satisfeitos por saberem, no fundo de suas almas, que a recompensa um dia chegará. Dia a dia a procissão se repete; é uma cena triste e estranha. Os bois continuam seguindo para o abate.

quarta-feira, 6 de março de 2013

Espaço reservado para um momento Graciliânico.

( I )


E o homem ergue sua mão ensangüentada a procura de uma ajuda que não virá. Leva várias estocadas em suas costas. As incontáveis facadas dilaceram quase por completo aquela parte de seu corpo. Ele limpa sua “peixeira” de 12 polegadas nas roupas de grife daquele homem que agoniza. Um homem que tanto se gabava. Abastado. Raça superior. Agora ali, com a cara numa valeta podre de um beco fétido, como qualquer outro verme que habita este planeta.

ricardo silva

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Velho Safado

Solucionando



Van Gogh cortou a própria orelha e
a deu para uma
prostituta
que com
nojo
extremo
atirou-a ao vento.
Van, putas não querem
orelhas
elas querem
dinheiro.
Acho que agora sei por que
você foi um grande
pintor: você
não compreendia
as outras coisas da vida.

Charles Bukowski