Aldous Huxley - Contraponto
Os
homens vivem como idiotas, como máquinas, todo o tempo, tanto nas horas de
trabalho como nas horas de folga. Como idiotas e como máquinas, mas imaginando
que vivem como seres humanos civilizados, mesmo como deuses. O primeiro passo a
dar é fazê-los reconhecer que eles são idiotas e máquinas durante as horas de
trabalho. ‘Sendo a nossa civilização o que é’, eis o que será preciso
dizer-lhes ‘vocês devem passar oito das 24 horas como uma espécie de
intermediário entre um imbecil e uma maquina de coser. É muito desagradável, eu
sei. É humilhante, é repugnante. Mas aí está... Vocês tem de fazer isso; de
outra maneira. Toda a estrutura do mundo se fará em pedaços e nós morreremos de
fome. Eis por que é preciso que vocês façam esse trabalho bestamente e
mecanicamente; e que passem as horas de lazer como homens ou como mulheres
verdadeiros e completos. Não misturem as duas vidas; mantenham os
compartimentos bem estanques entre elas. O que importa acima de tudo é a vida
autenticamente humana das horas de folga. O resto não passa de uma necessidade
sórdida que é preciso satisfazer. E não esqueçam nunca que é efetivamente
sórdida e – a não ser por permitir que vocês se alimentem e conservem intacta a
sociedade – absolutamente sem importância, sem a menor relação com a verdadeira
vida humana. Não se deixem enganar pelos patifes cheios de unção que falam da
santidade do trabalho e do serviço cristão que os homens de negocio prestam aos
seus semelhantes. Tudo isso são mentiras. O trabalho de vocês não passa duma
tarefa repugnante e desagradável, mas que infelizmente é necessária por causa
da loucura de nossos antepassados. Eles acumularam uma montanha de lixo, e é
preciso que vocês fiquem a trabalhar dia e noite com suas pás procurando
remover o monturo, de medo que o fedor dele os envenene e mate; é preciso que
vocês trabalhem para respirar, maldizendo a memória daqueles insensatos que
lhes deixaram todo esse trabalho ignóbil por fazer. Mas não procurem
entregar-se-lhe de coração, fingindo que esse sujo trabalho mecânico é uma
necessidade nobre. Não é verdade; e o único resultados que vocês obterão
dizendo isso e crendo nisso será a abaixar a nossa humanidade ao nível dessa
necessidade infecta. Se vocês acreditam nos negócios, como no serviço e na
santidade do trabalho, vocês se transformarão simplesmente em idiotas
mecanizados durante 24 horas, das 24 que tem um dia. Reconheçam que é um
trabalho infecto, tapem o nariz, dediquem-se a ele durante oito horas e depois
concentrem-se em si mesmos para ser, nas horas de folga, entes humanos
verdadeiros. Seres humanos verdadeiros e completos. Não leitores de jornais,
nem amadores de jazz, nem maníacos da radiofonia. Os industriais que fornecem
às massas divertimentos padronizados e fabricados em série fazem o possível
para torná-los, nas horas de lazer, os mesmos imbecis mecânicos que vocês são
durante as horas de trabalho. Mas não permitam isso. É preciso fazerem um
esforço necessários para serem humanos.’ Aqui está o que se deve dizer às
gentes; eis a lição que devemos ensinar aos moços. É necessário convencer toda
a gente de que toda essa magnífica civilização industrial não passa dum mau cheiro,
e de que a vida verdadeira, a que significa alguma coisa, não pode ser vivida
senão fora dela. Será preciso muito, muito tempo para que uma vida decente e o
cheiro industrial se possam conciliar. Talvez sejam mesmo inconciliáveis. É o
que ainda está para se ver... Seja como for, por hora é necessário atacar as
imundícias de rijo, suportar o cheiro estoicamente, e, nos intervalos, tratar
de levar uma vida verdadeiramente humana.
Aldous
Huxley – Contraponto (1928)
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