quarta-feira, 1 de maio de 2013

Feliz Dia do Trabalho

Aldous Huxley - Contraponto 




   Os homens vivem como idiotas, como máquinas, todo o tempo, tanto nas horas de trabalho como nas horas de folga. Como idiotas e como máquinas, mas imaginando que vivem como seres humanos civilizados, mesmo como deuses. O primeiro passo a dar é fazê-los reconhecer que eles são idiotas e máquinas durante as horas de trabalho. ‘Sendo a nossa civilização o que é’, eis o que será preciso dizer-lhes ‘vocês devem passar oito das 24 horas como uma espécie de intermediário entre um imbecil e uma maquina de coser. É muito desagradável, eu sei. É humilhante, é repugnante. Mas aí está... Vocês tem de fazer isso; de outra maneira. Toda a estrutura do mundo se fará em pedaços e nós morreremos de fome. Eis por que é preciso que vocês façam esse trabalho bestamente e mecanicamente; e que passem as horas de lazer como homens ou como mulheres verdadeiros e completos. Não misturem as duas vidas; mantenham os compartimentos bem estanques entre elas. O que importa acima de tudo é a vida autenticamente humana das horas de folga. O resto não passa de uma necessidade sórdida que é preciso satisfazer. E não esqueçam nunca que é efetivamente sórdida e – a não ser por permitir que vocês se alimentem e conservem intacta a sociedade – absolutamente sem importância, sem a menor relação com a verdadeira vida humana. Não se deixem enganar pelos patifes cheios de unção que falam da santidade do trabalho e do serviço cristão que os homens de negocio prestam aos seus semelhantes. Tudo isso são mentiras. O trabalho de vocês não passa duma tarefa repugnante e desagradável, mas que infelizmente é necessária por causa da loucura de nossos antepassados. Eles acumularam uma montanha de lixo, e é preciso que vocês fiquem a trabalhar dia e noite com suas pás procurando remover o monturo, de medo que o fedor dele os envenene e mate; é preciso que vocês trabalhem para respirar, maldizendo a memória daqueles insensatos que lhes deixaram todo esse trabalho ignóbil por fazer. Mas não procurem entregar-se-lhe de coração, fingindo que esse sujo trabalho mecânico é uma necessidade nobre. Não é verdade; e o único resultados que vocês obterão dizendo isso e crendo nisso será a abaixar a nossa humanidade ao nível dessa necessidade infecta. Se vocês acreditam nos negócios, como no serviço e na santidade do trabalho, vocês se transformarão simplesmente em idiotas mecanizados durante 24 horas, das 24 que tem um dia. Reconheçam que é um trabalho infecto, tapem o nariz, dediquem-se a ele durante oito horas e depois concentrem-se em si mesmos para ser, nas horas de folga, entes humanos verdadeiros. Seres humanos verdadeiros e completos. Não leitores de jornais, nem amadores de jazz, nem maníacos da radiofonia. Os industriais que fornecem às massas divertimentos padronizados e fabricados em série fazem o possível para torná-los, nas horas de lazer, os mesmos imbecis mecânicos que vocês são durante as horas de trabalho. Mas não permitam isso. É preciso fazerem um esforço necessários para serem humanos.’ Aqui está o que se deve dizer às gentes; eis a lição que devemos ensinar aos moços. É necessário convencer toda a gente de que toda essa magnífica civilização industrial não passa dum mau cheiro, e de que a vida verdadeira, a que significa alguma coisa, não pode ser vivida senão fora dela. Será preciso muito, muito tempo para que uma vida decente e o cheiro industrial se possam conciliar. Talvez sejam mesmo inconciliáveis. É o que ainda está para se ver... Seja como for, por hora é necessário atacar as imundícias de rijo, suportar o cheiro estoicamente, e, nos intervalos, tratar de levar uma vida verdadeiramente humana.
Aldous Huxley – Contraponto (1928) 


Nenhum comentário:

Postar um comentário