sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

noite de Natal, sozinho - (uma palavrinha do Velho Safado)

noite de Natal, sozinho,
num quarto de motel
junto à costa
perto do Pacífico -
ouviu?

eles tentaram fazer desse lugar algo
espanhol, há
tapeçarias e lâmpadas, e
o banheiro é limpo, há
minibarras de sabonete
rosa.

não nos encontrarão por
aqui:
as piranhas ou as damas ou
os adoradores
de ídolos.

lá na cidade
eles estão bêbados e em pânico
furando sinais vermelhos
arrebentando suas cabeças
em homenagem ao aniversário de
Cristo. isso é uma beleza.

em breve terei terminado esta garrafa de
rum porto-riquenho.
pela manhã vomitarei e tomarei
banho, voltarei para
casa, comerei um sanduíche à uma da tarde,
estarei no meu quarto por volta das
duas,
estirado na cama,
esperando o telefone tocar,
sem responder,
meu feriado é uma
evasão, minha razão
não é.

Charles Bukowski

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

o velho estava certo

um cão anda no meio da rua.
está acabado
faminto
sendo chutado no rabo por todos que passam


ele sofre, mas não sabe
só precisa de um bom pedaço de carne pa
ra fazer as pazes com a felicidade.

o desgraçado está fodido.
mas não tem contas a pagar
ninguém a quem dar satisfação
não tem prazos a cumprir
necessidade de status ou aceitação social.


ele não sofre mais do que deve
e nem saberia como


é mais esperto que qualquer um de nós.

D. Simões

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

A última despedida


                                                   
Mais uma noite de festa, sua cabeça está pesada, sua visão embaçada, dentro do carro cheiro de perfume barato misturado com fumaça de cigarro, seu corpo ainda suado graças a mais uma noite de pura luxúria. Ser jovem é ter razão de ser feliz, não entendia os deprimidos, nada poderia ser tão ruim que uma noite em um bordel não pudesse curar. Na madrugada ele avança sem preocupações, o velocímetro já passa de cem, mas o peso de seus olhos estavam ficando cada vez maior, já não conseguiria mais conter o cansaço este era o limite de seu corpo, infelizmente esta seria a ultima vez que se divertiria.
O dia amanhece, na estrada os destroços de um velho carro e um corpo carbonizado.
Em seu velório alguns familiares a maioria nem o nome sabia, vários desconhecidos curiosos mais nenhum amigo. No cortejo que seguia pelas ruas estreitas aos poucos as pessoas ficavam pelo caminho, era um dia chuvoso e feio por fim na frente do cemitério apenas o padre, sua mãe, irmã e seu cachorro estavam presentes, havia lágrimas no rosto de sua mãe isso era um bom sinal, pois agora sabia que não tinha sido um homem tão ruim, “só os homens realmente ruins morriam e não tinham nenhuma mulher para chorar por eles” ele não era um destes homens.
            O enterro foi encerrado, agora ninguém mais o veria novamente pelo menos era o que deveria acontecer, mas quem tem amigos nunca sai sem antes tomar a saideira e com ele não seria diferente, pois durante a noite seus amigos foram até seu túmulo e o desenterram, derramaram bebida sobre seu caixão e regados a bom vinho e a antigas músicas de rock celebraram uma digna despedida, sem choro, nem falsas verdades.

El Cunha

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

MARROM GLACÊ

Mais uma vez no meio de uma noite eu estou só, não lembro ou não sei onde foram parar meus amigos. Minha Bebida está acabando, mas ainda me restam alguns goles e uns trocados no bolso. Continuo a caminhar e sigo olhando as almas negras que vagam pela cidade durante a noite e logo passo por alguns miseráveis que esticam suas mãos em minha direção numa tentativa bastante esperançosa de que eu lhes dê algumas moedas, não lhes dou nenhum centavo, fui despedido já faz algumas semanas e não fiz questão de procurar outro emprego, dinheiro eu tenho pouco e muito provavelmente eu irei ficar na mesma situação que eles em bem pouco tempo, mas dessa vez não me importei nem com outro emprego e nem com os miseráveis, espero poder aproveitar o pouco que me resta antes de começar a mendigar também.
O último trago e logo minha bebida acabou. Continuo minha caminhada com passos cada vez mais difíceis, acho que a Vodka já está circulando bem em meu sangue e já não tenho mais total controle sobre minhas pernas, mas de que vale poder controlar suas pernas se você não é capaz de controlar sua vida? Então continuei até avistar um bar, era um prédio bem antigo em estilo colonial, com algumas janelas e um letreiro em néon, tinham algumas pessoas na porta, ao chegar mais perto consegui ler o que aquelas letras brilhando que mais pareciam anjos nas portas do paraíso queriam me dizer “Marrom Glacê”, lembrei que já havia escutado sobre este lugar da boca de algum amigo e resolvi entrar, o movimento estava fraco, algumas garotas dançavam e uns rapazes estavam a colocar grana em suas calcinhas e meias, eu não tinha grana para transar com nenhuma delas então sentei um pouco afastado, contei minhas moedas e vi que com elas conseguiria comprar apenas duas cervejas, olhei mais uma vez as notas que pareciam brotar das meias de uma das strippers, já havia uma boa grana entre aquelas coxas, eu poderia comprar um uísque da melhor qualidade só com algumas daquelas notas. Chamei o garçom:
- Garçom! – duas cervejas, por favor... (havia lido isto em algum lugar e naquele momento resolvi que faria igual)
- duas cervejas?
- sim duas cervejas!
- senhor quer que eu lhe traga uma depois a outra, é isso?
- qual parte de “duas cervejas” você não entendeu?
- senhor, mas o senhor não está acompanhado!
- nem deveria... (respondi)
            Agora com as duas cervejas na mesa eu olhava a bela dançarina em sua dança sensual, ela era uma bela loira devia ter seus 25 anos, belas coxas, seios incríveis e possuía uma tatuagem em suas costas era um dragão que surgia em seu pescoço e desaparecia em sua nádega. Essa tatuagem a deixava ainda mais sexy. Seus olhos azuis eram como um mar de tristeza e ao mesmo tempo satisfação. Por um longo momento não pensei em mais nada, apenas naquela bela loira que ali estava e no dinheiro que lhe brotava das meias...


F. Sandes

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

AGONIA E ÊXTASE

FOTO: RICARDO SILVA
Acordei, estava atordoado, não conseguia lembrar onde estava, precisei de um pouco de tempo pra me recompor. A vista ainda estava turva, o pescoço dolorido e a boca seca, reflexo de doze horas no limbo. Precisava sair, respirar, andar um pouco até a hora de travar de novo. Sabia que logo precisaria de uma nova dose, não aguentava tanto tempo sóbrio, o mundo já não era mais suportável, tinha que chegar em casa e me preparar pra encarar os paraísos artificiais. Segui pela principal, percebi que não estava tão longe de casa, passei pela praça central, corri até as escadas, desci, dobrei na rua seguinte e avistei o prédio onde morava. O coração palpitava de tensão e êxtase, pois sabia que logo ali eu encontraria a felicidade, a verdadeira felicidade, não tardei pra chegar. Já escurecia, peguei as chaves com as mãos trêmulas, não falei com ninguém, subi as escadas correndo, o apartamento ficava no terceiro andar. Corri, cheguei ofegante. Abri a porta, tudo estava uma bagunça e o fedor de comida podre empestava o lugar e logo minhas narinas, não tinha mais tempo pra perder com coisas fúteis, não via uma mulher há tempos, não precisava mais delas. A comida já não tinha tanto sabor, emagrecia, sabia que não duraria tanto tempo, mas valia a pena, entrei no quarto, o colchão no chão, a cama estava quebrada e não me preocupava com isso, havia roupas sujas espalhadas pelos cantos. Procurei às pressas feito um louco. Encontrei, corri pra cozinha, peguei a colher, pus o pó, acendi o fogo, esquentei; a substância borbulhava, estava no ponto, peguei a seringa. Puxei tudo que podia, amarrei o cinto no braço, estava difícil encontrar um lugar não furado, baixei a calça, essa seria na coxa, injetei, puxei um pouco de sangue pra misturar, deslizei o êmbolo até o fim. A sensação era das melhores, alguns segundos até o infinito, derreti até o chão. A vista turva, a taquicardia, milhões de pensamentos ao mesmo tempo, voavam como nuvens, tudo colorido, perfeito, logo alcançara o paraíso, podia sentir o som das coisas ao meu redor. Podia ser o que quisesse, mas preferia ser guiado e levado aonde quisessem me levar. Logo acabaria com a sobriedade infernal dessa vida de uma vez por todas.

H. ALMEIDA

O ÚLTIMO GOLE

TEXTO: Zé da Silva
Tomou o último gole do copo de água que tirou da porta da geladeira moderna e, aí, sentiu. Era como se um incêndio irrompesse na cavidade da boca e as brasas fossem sendo socadas para o estômago, goela abaixo. Veneno. Tentou tomar leite. Mais veneno. Imaginou-se rato. Era preferível o golpe seco da ratoeira a lhe esmagar o pescoço. Sozinho na casa isolada. Sempre quis viver assim, desde que os ventos da democracia fizeram agentes como ele serem esquecidos. Perdeu a conta de quantos tinha matado “a serviço”. Torturou em nome da pátria. Nunca sentiu remorso. Era um proscrito, alguém sem pai, mãe, família. Coração pedra de gelo. Nunca se apaixonou e a natureza para ele era apenas um belo esconderijo. Imaginava que um dia sofreria pelo que fez. Porque sonhava. Tiro na cara, navalha na carótida, um mar de sangue escorrendo como num filme do Zé do Caixão que tinha visto. Nada. Veneno. Alguém fez o serviço como profissional. Na agonia ele tentou imaginar quem. Não conseguiu vislumbrar um só rosto no universo daqueles que fez sofrer sem piedade. Tentou vomitar. Nada. A Glock que poderia amenizar o sofrimento estava longe da cozinha. Mas haviam as facas. Conseguiu pegar uma. Olhou a lâmina, a ponta. Não teve coragem. Sentiu medo. Pela primeira vez na vida. Era a morte tomando conta de tudo. O desconhecido. Pela primeira vez pronunciou o nome de Deus. Em súplica. Inútil. Como sua vida. 


FOTO: RICARDO SILVA

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Crônica Urbana


Aquela Terça-Feira, último dia do mês de Novembro, começara diferente de todos os outros dias do ano. Resolvi seguir as recomendações do terapeuta e levantei-me bem cedo para fazer caminhada. Dissera-me ele, que caminhar era um ótimo anti-estressante natural e fazia bem para o corpo e para mente. Há muito que andava estressado e sem demonstrar interesse algum por qualquer tipo de atividade. Pois bem, estava decidido, sairia, enfim, de meu sedentarismo.
Encarei as ruas. O sol começava a nascer e anunciava um belo dia ensolarado. Outras pessoas também caminhavam àquela hora, umas sozinhas, outras em grupos, mas sempre bem humoradas. Às portas de suas casas, alguns vizinhos já aguardavam o homem do leite e à medida que andava, sentia o cheiro do café vindo das residências. As pessoas costumavam levantar cedo naquela região, geralmente bons trabalhadores filhos herdeiros de um regime reprodutor que os controlavam secularmente, armados pela força do capital.
Não demorou muito para sentir os benefícios daquela atividade física. Depois de uma hora caminhando, voltei para casa, banhei-me, tomei o café da manhã e pronto: estava revigorado e bem disposto. Aproveitei para estudar. Precisava me preparar para a prova que faria no dia seguinte. Sentei-me à frente do computador e pus-me a ler um dos artigos necessários para a obtenção do conhecimento. Concluí-lo e passei ao próximo. Este, porém, foi lido apenas até a metade, o assunto não me agradava e passei ao seguinte, que também não foi concluído. Entedie-me e perdi toda a concentração.
Comecei a pensar em várias coisas ao mesmo tempo e isso me deixou bastante cansado. Logo, os efeitos da caminhada começaram a passar e a rotina do meu dia-a-dia parecia voltar ao normal. Abandonei as leituras e decidi sair de casa. Fui visitar um amigo que se encontrava de cama já há alguns meses vitima de um acidente de carro... É provável que ele se entedie com mais freqüência que eu...
Conversávamos enquanto assistíamos a um programa qualquer na TV. Os assuntos eram os mesmos de sempre, mas ao menos tínhamos o que conversar. De algum lugar da casa, surgiu uma bela ninfeta que me fez bem acordado. Ela ajudava sua avó nos trabalhos domésticos da casa do meu amigo. Desejei-a. Quis tê-la ali mesmo. E por alguns instantes deixei-me levar por umas fantasias safadas, que logo cessaram.
Fui tomado de repente por uma espécie de sentimento de remorso: não podia desejar tal coisa, seria por demais cafajeste fazer daquela moça, neta da doméstica, um simples objeto sexual. Quis imediatamente repelir aquele pensamento altruísta, afinal de contas, percebi a forma como me olhava. Ela se exibia descaradamente para mim. Eu a desejava e é verdade que não hesitaria em lançar-me ao seu corpo e em roubar-lhe uns beijos e apalpar suas nádegas macias e seus belos seios, não fosse a presença enferma de meu amigo. Tive, por fim, que conter-me.
Escapei dos olhares sedutores da ninfeta e voltei para casa. O relógio marcava meio dia. Esquentei no fogão a minha comida. Almocei sozinho e em seguida cochilei por uma hora. Ao acordar tentei mais uma vez ler os benditos artigos. Dessa vez fui interrompido pela vizinha, que naturalmente sentia imenso prazer em incomodar-me com aquela música barulhenta. A solução foi mesmo esperar o tempo passar para que fosse de uma vez à Universidade.
À noite, enquanto esperava uma carona para chegar à Universidade, um mendigo atravessou a rua em minha direção. Baixei a cabeça para não encará-lo. Senti vergonha desse gesto. O mendigo passou por mim e cumprimentou-me, andou alguns metros e tropeçou no esgoto, caindo sobre a calçada. Por ali mesmo ficou deitado em seu colchão de concreto e com a cabeça pousada em um coco, que lhe serviu àquele momento de travesseiro. Não demorou muito, o indivíduo sentiu-se incomodado e ingenuamente arremessou o coco no meio da rua. Um garoto que passava de bicicleta não conseguiu desviar e arrebentou-se no chão. Dois homens que estavam perto xingaram o mendigo e um deles chegou a agredi-lo. Por pouco aquele incidente não se transforma em uma tragédia maior.
Assisti toda aquela cena sem manifestar qualquer tipo de reação. Abafei, sem querer, toda indignação que teimava em se mostrar. Olhei para o relógio e preocupei-me com a hora. Chegaria atrasado. Pessoas que tinham o mesmo destino que o meu passavam em seus carros a todo o momento. Mas por que parar? “Que comprem um veículo, ora! Não tenho obrigação de dividir o ar-condicionado do meu carro comprado à prestação com nenhum estudante pé-rapado”. Alguém, por fim, ofereceu-me gentilmente uma carona. 
Da hora que cheguei até a hora que saí, estive a resolver, com uma boa amiga, exercícios da disciplina de Filologia Românica: apócopes, síncopes, Epênteses, suarabáctis, metáteses, hiperbibasmos de sístole e diástole... Tinha sono, mas a campainha era agradável e no fim de tudo, valeu à pena ter estudado.
Voltei de lá em um ônibus que transportava estudantes. Saltei no centro da cidade e segui para o ponto do próximo ônibus que me levaria até em casa. No caminho, um homossexual insinuava-se para alguns pervertidos e gritava que daria seu rabo e faria um “bockete” em todos eles. Uma senhora evangélica que passava por ali, praguejava e insultava o homossexual de enviado de satanás, acusando-o de blasfêmia. Eu, por minha vez, baixei a cabeça e passei a passos apressados.
Não muito distante, um grupo de jovens moto-taxistas clandestinos exibiam-se fazendo manobras perigosas em suas motos, enquanto um outro grupo ouvia músicas de má qualidade e conversava sobre temas fúteis, revelando a artificialidade da juventude local. Eu absorvia tudo aquilo com total indiferença.
Cheguei ao ponto e entrei finalmente no coletivo. Havia nele uma garota que morava no mesmo bairro que eu. Cumprimentei-a e sentei-me afastado dela. Enquanto esperávamos a saída do ônibus, o telefone da garota tocou. Ela atendeu. Sua voz estava trêmula e sua respiração ofegante, parecia que chorava. Ela falava alto e não pude deixar de ouvir a conversa. Alguém de sua família fora internada em estado grave, presumo que tenha sido a sua mãe. Fiquei comovido com o que ouvi e toda aquela frieza demonstrada nos atos anteriores, caíra por terra. Quis falar-lhe, levar uma palavra amiga e de alguma forma ajudar, mas minhas pernas não se moviam, estavam completamente paralisadas. Aceitei a condição e permaneci no meu lugar, que mais haveria de fazer?
Partimos. No caminho avistamos um aglomerado de pessoas que se formavam em uma esquina não muito distante de onde estávamos. Pedi ao motorista que parasse próximo ao local. Antes de descer despedi-me da garota e lancei-lhe um sorriso sincero que me fora retribuído. Duas viaturas acabavam de chegar à cena. Adiantei-me antes que pusessem todos para correr.
Foi com surpresa que encarei o corpo machucado jogado ao chão. Havia muito sangue. As feridas expostas davam a entender que houve ali uma luta desleal entre aquele homem e a coisa que deixou naquele estado. O rosto, apesar dos graves cortes sofridos no resto do corpo, não fora atingido com violência. Pude, pois, reconhecer o indivíduo. Era o homossexual que encontrara horas atrás. Ainda tinha vida. Dessa vez o encarei. Aproximei-me dele e pude sentir seu desespero. Minha reação não foi das melhores. Afastei-me e pus-me a vomitar. Há essa hora, a rua já estava repleta de curiosos que só se dissiparam quando finalmente o homem foi transportado para o hospital.
Fui para casa andando, sem pensar em absolutamente nada, guiado pela leveza da brisa que soprava. Chegando ao lar, tomei um banho e fui direto para a cama. Estava exausto. Dormi como uma pedra.
No dia seguinte, enquanto tomava o café da manhã, ouvi o noticiário transmitido pela rádio local. O repórter informava que um importante representante da elite da cidade fora assassinado no início da manhã na porta de sua casa. Era o 2º membro da alta sociedade morto em menos de duas semanas e o 37º caso de morte por assassinado do ano, segundo dados estatísticos. Da delegacia, o correspondente entrevistava um policial a respeito do ato de violência cometido contra o homossexual na noite passada. Ele repassou o que a testemunha havia declarado: três jovens fortes e de boa aparência, abordaram o homossexual na rua e agrediram-no gratuitamente. Um deles trazia um cachorro Pitt-bull preso a uma coleira e propositalmente liberou-o para que pudesse atacar o sujeito, que chegou ao hospital com vida, mas veio a falecer esperando atendimento médico — Semanas depois, a polícia chegou aos suspeitos. Todos eles eram filhos de empresários influentes. Depois do interrogatório julgaram que o cão foi o grande responsável pela tragédia e sentenciaram que o animal deveria ser sacrificado.
Terminei de comer e desliguei o rádio. Estava impaciente e um tanto incomodado. Comecei a pensar em tudo aquilo que havia acontecido. Pensei naqueles tipos humanos, na pequena ninfeta, no mendigo, nos esnobes da Universidade, nos fúteis moto-taxistas, na garota do ônibus, no homossexual e nos 37, aliás, 38 assassinatos contabilizados. Minha cidade, minha pequena cidade, começava a respirar ares de cidade grande e adoecia... E eu ainda não havia percebido que fazia parte dela.


A. Cavalcante

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Sóbria reflexão

Preso em seu reduto, confinado sem esperança. Sozinho, a noite parece eterna. Agora ele reza, mas o conforto não vem, sua única companhia é a dor que não passa, se pudesse ao menos levantar, mas isso para ele é impossível, pois suas feridas ainda são recentes. Talvez um herói de guerra se orgulhe das suas cicatrizes, mas o que dizer de um bêbado que por um golpe de sorte atropelou uma árvore ao invés de uma criança, não existe honra em suas ações nem motivo de orgulho, só a lembrança de uma noite de farra com direito a prostitutas e vinho barato. A única certeza que carrega agora é que cada pessoa é o que realmente tem de ser, não adianta reclamar, um vagabundo é um vagabundo porque o mundo precisa de um vagabundo, então se ele era um bêbado hedonista e inconseqüente talvez não fosse tão ruim.        

Niilismo

Sobre a sombra do nada me refugio e escapo
Indagado pelo mundo e negando a existência
Se reconstruindo a cada dia que passa
Recolhido em meu ser e em toda minha desgraça

No rio de insolência e estupidez que ameaça
Vivendo na descrença impertinente do meu ser
Corrompido pelo manto de sujeira que me cobre
No niilismo deposito todo minha crença

Ao nada me atiro, me afogo, me acho
Perdido, desencorajado, limitado, amedrontado
Na transcendência a mentira que encoraja
Na religião a hipocrisia que embriaga

Sozinho e asfixiado por ídolos embrutecidos
Sufocado em uma caixa, pregado em uma cruz
Só mais um verme que se arrasta sobre a luz que se apaga
Na inexistente esperança da vida que se passa

H. Almeida
Foto: Lucas C. N. Rocha

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Nesta porra de vida


Nesta porra de vida, um homem sai de um bordel às três da manha e como recompensa esmaga-se com seu carro 1986 em uma árvore. Sua perna quebra, mas a maldita árvore que não dava frutos, flores e nem sombra acolhedora, permaneceu intacta.

Nesta porra de vida, o socorro demora pra caralho a chegar e a merda do hospital não consegue ajudar um pobre corpo alcoolizado com sua perna quebrada, restando apenas esperar por mais de oito horas, um cretino com diploma de medicina.

Nesta porra de vida, o pobre homem fica condenado a uma cama por tempo indeterminado, emagrecendo e vendo seus membros perderem a força dos músculos e até o seu membro favorito, que já o tinha proporcionado tantas felicidades, hoje se limita apenas a mijar.

Nesta porra de vida, o tempo se arrasta, sem pressa como se fosse de propósito alongar o sofrimento do pobre homem que agora já nem deseja dinheiro, carros ou qualquer coisa fútil dos dias de hoje. O que o homem quer e deseja mais que tudo, é levantar e dá seu novo primeiro passo.

Nesta porra de vida, o homem já está de pé novamente e quer mostrar ao mundo que ele voltou. Mas não se enganem, ele não está sozinho. Ao seu lado estará a porra da vida que sempre o acompanhou bêbado ou sóbrio, com saúde ou doença, calmo ou com raiva, pois se você sentir dor algum dia em sua vida, agradeça... Pelo menos você ainda continua vivo e sempre poderá beber com este homem em algum bordel as três da manha.
           
                                                                                                                                                   El Cunha

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Erguendo Os Copos

O vazio puro e medonho ressalta a tristeza da manhã
A certeza de que a calma não vem dá asfixia
As janelas mesmo abertas continuam sem mostrar nada
E mesmo as passagens que já foram vivas agora cultivam o vácuo


O barulho do mundo se mantém constante
Mas no recinto só existe o absoluto do infinito
É necessário buscar uma saída para todo o estupor
Que a tudo engole abrupta e definitivamente


É então hora de reunir os elementos
Com a presença destes o silêncio será quebrado
A expectativa é longa e entediante
Mas a notícia positiva traz a tranqüilidade esperada


As criaturas vociferarão por longos dias
Irão pôr abaixo as mais sólidas estruturas
E até o momento em que esgotados voltarem ao repouso
Todos os viventes ouvirão seus berros em seus brindes furiosos


(D. Simões)